Após-Concílio
Recife, 28.1.68
354ª Circular *
4ª Dominga depois de Epifania
A querida Família Mecejanense
Permitam que recorde e resuma a novela de minha mudança:
• desde a chegada, em abril de 1964, o Palácio de Manguinhos deixou-me a impressão de Casa imensa, latifúndio de vez que se destinava apenas a residência do Arcebispo e de seu Auxiliar. A impressão se agravou, quando foi possível concretizar o velho plano do Auxiliar [D. José Larmatine], de residir, nos fundos do Palácio, com sua Mãezinha. Foi quando surgiu o slogan: é casa demais para um bispinho só;
• tentei, de maneiras várias, encher, um pouco, Manguinhos. Trouxe a Cúria para dentro de Casa; ocupei a antiga sede da Cúria ao lado do Palácio, com seis Organizações apostólicas que estavam sem sede; coloquei, dentro do próprio Palácio, a Operação Esperança e o Banco da Providencia;
• houve a experiência de abrir os jardins do Palácio às crianças e os salões à Noitadas;
• aos poucos, consegui livrar-me das duas Salas de Trono;
• durante a Cheia de 1966, Manguinhos viveu dias de plenitude. Mesmo em tempos comuns, o Povo o invade, sobretudo nas tardes de terças e de sextas-feiras;
• quando consegui abrir, escancarar os portões que dão acesso ao Palácio, houve queixa de que os jardins da Casa passaram a ser abrigo de maloqueiros, ladroes, desocupados e cenário de grossas imoralidades. Foi preciso, então, aceitar a figura incrível do Vigia.
• vivi entre o sofrimento de ver, mesmo em noites de chuva, u\’a média de 15 Pobres [fl. 2] dormindo pelas varandas do Palácio (não pude repetir a façanha de faze-los entrar, dada a alegação de que receber 15 na terça–feira, seria contar na quarta-feira com 40 e na quinta-feira com 100) e o sobressalto de ver um Vigia, armado, disparar contra Cristo na pessoa do Pobre…
Quando se abriu o ano de 1968 era evidente a necessidade de que o novo ano não repetisse 1967. Era impossível ficar em meras declarações e em discursos.
Está provado que a circunstância de eu me deslocar das Áreas-desafio do Recife (que não ficam abandonadas) e partir para o meio rural (Cfr. Discurso de Carpina) já marca uma revolução. Os jornais de hoje publicam a notícia que um advogado, sedento de publicidade, vai denunciar-me, amanhã, perante a justiça. Se o Juiz aceitar a denúncia e eu for citado, será oportunidade esplêndida de chamar a atenção do País inteiro para as atrocidades que se passam no campo.
Impunha-se, a meu ver, o duplo sinal: morar em Casa pequena e pobre; dar destinação adequada a Manguinhos. Cinco ideias se sucederam (a meu ver caíram, porque não havia surgido o sopro de Deus):
• Equipe Central, dando unidade às Equipes externas de Seminaristas que abandonariam o Seminário Regional do Nordeste (imenso contrassinal, do qual procuraríamos livrar-nos, quanto antes). Houve o que houve.
No fim, as equipes se concentraram em Olinda e a Equipe Central passou para os altos da Casa do Povo (antigo Palácio Episcopal de Olinda);
• ITER (Instituto de Teologia do Recife): pensou-se em fazê-lo funcionar aqui, quando surgiu [a] dificuldade de ele funcionar, anexo a Universidade Católica. Desfez-se a dificuldade;
• Casa do Padre… Mas eles não sabem muito o que fazer da Casa; [fl. 3]
• hospedagem para Religiosas, necessitadas de aprimorar-se e cujas Congregações não tenham Casa no Recife;
• sede do Vicariato dos Setores Paroquiais, com serviços vários a serviço das Paróquias. Imaginei o Juvenato Dom Vital como cérebro e Manguinhos como coração da Arquidiocese. D. Lamartine teve receio de que a ideia prejudicasse o Arquidiocesano…
Vejam o que imaginei (por enquanto, tenho a aprovação do Pe. Marcelo [Carvalheira] e de D. José [D. José Larmatine] ):
Projeto para adequar ocupação do Palácio de Manguinhos
I) Considerações gerais
1. Oficialmente, a Casa será chamada Central de Promoção Humana, de acordo com as atividades que preencherão o térreo do Edifício.
O sobrado, no entanto, será entregue ao Clero da Arquidiocese, embora a Capela fique aberta a todos os Movimentos ligados a Manguinhos.
2. A Casa toda será administrada por uma Congregação Religiosa Feminina, responsável:
• diretamente, pela Portaria, Telefone e Capela;
• em articulação com o Banco da Providencia, pela manutenção da Casa.
3. A Central de Promoção Humana, sem prejuízo de iniciativas que
venham a tomar, abre-se com os seguintes movimentos:
• o Banco da Providência e a Operação Esperança;
• em articulação com o Banco: Cursos de Copa e Cozinha; de Faxineiros; de Corte e Costura; de Lavandaria; de Criação de Aves;
• em articulação com a Operação Esperança: LADOR; Comissão de Justiça e Paz; Central da Juventude; [fl. 4] Central dos Artistas;Central dos Técnicos;
4. As atividades do Sobrado ficam sob a organização e supervisão do Conselho Presbiteral.
[D. José [D. José Larmatine] apresentou sugestões quanto a divisão espacial. Propõe, inclusive, a ida da Cúria para o Secretariado Arquidiocesano, passando eu a ter gabinete de despacho também lá. As audiências públicas continuariam em Manguinhos, na Sala da frente, hoje ocupada pela Cúria]
II) Central de Promoção Humana
A) LADOR (Levantamento das Áreas-Desafio de Olinda e Recife) Equipe responsável: Engenheiro Manuel Figueira; Médico, Hélio Mendonça; Assistente Social, Dolores Coelho; universitário, Joao Marques.
Objetivos:
• ajudar as Paróquias a enfrentar suas respectivas Áreas-Desafios;
• equacionar o problema;
• levantar e entregar forças disponíveis.
B) Comissão Justiça e Paz
Representantes das Comunidades Evangélicas
Representantes da Federação Espírita
Representantes da Comunidade Israelita
Representantes das Áreas Agnósticas
Representantes da Igreja Católica
Objetivos:
• Captar injustiças sociais e humanas, dando-lhes o máximo de ressonância.
• Servir de eco a injustiças sociais mais gritantes de qualquer parte do País ou do Mundo.
Tentarei preparar instalação aproveitando a passagem do Cardeal [Maurice] Roy. Primeiro assunto queimante: sumiço, espancamento e assassinato de Trabalhadores Rurais…
O resto segue em outra Circular.
Bênçãos saudosas
do Dom
* Esta Carta Circular faz parte da Coleção Obras Completas de Dom Helder Camara – Circulares Pós-Conciliares – Volume IV – Tomo I.
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