por Marcelo Barros *
No primeiro ano de seu serviço pastoral, na Festa de Corpus Christi, o arcebispo chega pontualmente à catedral para iniciar a missa e depois a procissão na qual deve carregar pelas ruas o ostensório dourado com o Santíssimo Sacramento. Começa a missa. Na oração da coleta, não consegue ler o que está no missal. Com os olhos marejados de lágrimas e a voz tomada pela emoção, ora:
“Senhor, é mais fácil reconhecer a tua presença na hóstia consagrada do que nos milhares de irmãos e irmãs miseráveis que sofrem e penam pelas ruas e cortiços do mundo. Como poderemos passar pelas ruas, com o pão, sinal da tua presença para um mundo novo e de partilha, indiferentes aos adultos e crianças que jazem abandonados no chão?
Dá-nos a graça de adorar a tua presença no pão da Eucaristia, de modo que possamos te reconhecer e honrar em cada ser humano, especialmente nos irmãos e irmãs mais marginalizados”.
Esse arcebispo é Dom Helder Camara.
* Trecho do artigo escrito pelo monge beneditino Marcelo Barros no livro Helder O Dom, uma coletânea de artigos escritos por vários teólogos e organizado por Zildo Rocha. O livro foi lançado em homenagem a Dom Helder, na comemoração de seus 90 anos.
Marcelo Barros participou dessa celebração, mas só veio a saber dos detalhes depois da missa, quando Dom Marcelo Carvalheira contou a ele e a várias outras pessoas, em uma conversa no mosteiro, sobre a eucaristia e a espiritualidade do Dom.