Quinta-feira, 31.5.1979
Meus queridos amigos
Durante a recente Assembleia dos Bispos do Brasil, em Itaici, São Paulo, tivemos, em uma tarde de domingo na capital paulista, uma concelebração inesquecível, presidida pelo Cardeal Dom Evaristo Arns, com participação de 42 dos nossos bispos. A missa foi dedicada aos índios para pedirmos perdão a Deus por todos os erros gravíssimos que cometemos no passado e pelas injustiças terríveis que estamos cometendo, ainda hoje, contra os nossos índios.
A abertura da Santa Missa, o rito penitencial, o anúncio do Evangelho, o Ofertório, o rito da paz, a prece da Comunhão e o compromisso final foram compostos por Dom Pedro Casaldáliga e musicados por Pedro Tierra. Dom Pedro Casaldáliga, que já se revelara um grande poeta, compôs um de seus mais profundos e belos cantos, emprestando voz aos índios do Brasil e de toda a América, e dando-lhes resposta em nome de todos nós. Em certo momento, uma voz dizia em nome dos índios:
“Eu tinha uma cultura de milênios, antiga como o sol, como os montes e como os rios. Eu plantava os filhos e as palavras. Eu plantava o milho e a mandioca. Eu cantava com a língua das flautas. Eu dançava vestido de luar, enfeitado de pássaros e de palmas. Eu era a cultura em harmonia com a mãe natureza. Eu conhecia o ouro, o diamante, a prata, a nobre madeira das matas. Mas eram para mim os enfeites sagrados do corpo da terra-mãe. Eu respeitava a natureza como se respeita a própria esposa.”
Em resposta nós tínhamos que confessar que massacramos a natureza, destruímos a natureza.
O índio dizia: “Eu vivia na pura nudez brincando, plantando,amando, gerando, nascendo, crescendo na pura nudez da vida.”
E em plena Catedral de São Paulo tivemos que confessar: “E nós te revestimos com roupas de malícia, violamos tuas filhas, te demos por moral a nossa hipocrisia.”
O Cardeal Evaristo Arns fez de sua Catedral, fez da Casa de Deus, terra de liberdade. Lá dentro todos se sentem na Casa do Pai! Lá dentro há clima para que repercutam todos os problemas humanos.