UM OLHAR SOBRE A CIDADE

 
 
                                               6ªfeira,  6.1.1978
 
Meus queridos Amigos
 
       Fui visitar, em uma Clínica Cardiológica, um velho e querido Amigo, já passando dos 70, mistura deliciosa de Poeta, de Pecador e de Místico…
 
       Ainda com problemas sérios de coração… Nem deveria falar… mas driblando a supervisão de Médicos e Enfermeiras, ficou soltando pequenas frases que eram um pouco o seu  testemunho – de certo modo, seu  testamento espiritual – sobre o coração humano…
 
       Começou dizendo:  “Depois de 75 anos de fidelidade absoluta, anda pifando”. Mas logo comentou: “Não é deslealdade para comigo. O pifamento vem do desgaste… Já não está aguentando”…
 
       Entrou uma Enfermeira para tomar a pressão e ele ficou com a cara mais inocente deste Mundo… Não estava alí, quem falou…
 
       Quando a  enfermeira saiu, o querido Amigo, sempre se referindo ao próprio coração, disse baixinho: ”Eta Camarada  para parecer comigo: do ponto de vista físico e fisiológico, em 75 anos, teve grau 100 e louvor! Batia noite e dia, respondendo de modo perfeito pela circulação, pela  vida… Do ponto de vista moral, fraco como eu”…
 
       Entrou um Amigo, com quem trocou duas palavras. Esperou que o Amigo saísse e comentou: “A vida toda me surpreendeu, este amigo fidelíssimo… Surpreendia-me jurando amor e fidelidade a 10, 15, 20, 30… É que ele é como eu: Ama a cada um de maneira única”.
 
       Como falava a um Amigo-Padre, não se conteve e já bastante cansado, falou baixinho; devagar, com dificuldade, disse: “Sei que eu e meu coração nos entenderemos bem com Deus, pois Ele é nosso Mestre de amar cada um de maneira única”.
 
       Sorriu malicioso:  “Só que pra Deus dá certo. Aqui na terra, há tanto egoísmo solto, tanto amor próprio ferido, que pretender amar cada um de maneira única dá confusão daquelas”.
 
       Quis impedir que ele falasse… Mas ele precisava falar sobre o próprio coração, maneira habilíssima de falar sobre o mais íntimo do seu íntimo…
 
       Disse ainda: “Este danado de coração me fez passar muito vexame alegando que quem quer bem não tem vergonha, que não adianta jurar… Fiz cada uma: recebi patadas e voltava a esmolar amor”…
 
       Calou-se com lágrimas nos olhos…
 
       Fiquei pensando sobre o mistério do coração humano. Feito para o amor sem limites, amor eterno, infinito, absoluto, conta com o infinito amor de Deus, mas o próprio  o Deus, 

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