“Felizes os que sonham, alimentarão a esperança de muitos e correrão o doce risco de um dia ver os sonhos realizados”. Dom Helder Camara
O IDHeC – Instituto Dom Helder Camara lamenta profundamente a partida de mais um grande profeta: Dom Paulo Evaristo Arns, um incansável batalhador contra todas as formas de injustiça e opressão.
Vítima de uma broncopneumonia Dom Paulo partiu na manhã desta quarta-feira, aos 95 de idade, 71 dos quais dedicados ao pastoreio do povo de Deus.
Durante a ditadura militar foi um ícone da resistência, visitando prisões, levando a comunhão aos presos políticos, defendendo os que eram vítimas da opressão. Um um dos principais nomes na luta a favor do voto nas Diretas Já. Por conta disso – e por sua atuação incansável na defesa dos pobres – ficou conhecido como o \”cardeal da esperança”.
Dom Paulo e Dom Helder, seguiam o mesmo caminho na defesa dos Direitos Humanos e na promoção da vida. Para o cardeal Dom Helder era como um tio, um pai. Ele mesmo se chamava como tio porque era bispo e os bispos eram irmãos do papa, enquanto os cardeais são filhos do papa. Então a um filho do irmão pode se chamar sobrinho. Entre todos os bispos do mundo, Dom Paulo escolheu D. Helder como tio. E, até a partida de Dom Helder eles se chamavam um ao outro, dizendo tio e sobrinho.
No dia 24 de outubro, na comemoração de 95 anos de idade de Dom Paulo, Dom Angélico Sândalo Bernadino, bispo da diocese de Blumenau, o descreveu como “o rosto da periferia de São Paulo”. Disse ainda que “Ele é ecumênico, coração aberto, anunciando a urgência de resistirmos contra toda mentira, contra toda impostura. Naquele tempo, contra a ditadura civil-militar. E essa resistência, a que ele nos convida, é permanente no Brasil atual”.
Há 41 anos, no dia 25 de outubro, durante uma sessão de tortura, na rua Tomás Carvalhal, 1030, no bairro do Paraíso, em São Paulo, morria o jornalista Vlademir Herzog. No dia 31, em plena ditadura militar, oito mil pessoas se reuniram na Catedral da Sé, centro de São Paulo, para um ato ecumênico comandado pelo então cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino da Confederação Israelita Paulista, Henry Isaac Sobel e pelo reverendo Jaime Nelson Wright, pastor presbiteriano. O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Camara, estava lá, apoiando o amigo e “sobrinho”, permanecendo no altar durante toda a celebração, em silêncio. A ditadura militar proibira a simples menção de seu nome pelos veículos de comunicação.
8 mil pessoas em frente à Catedral da Sé, em São Paulo, 1975 |
Ato Ecumênico em homenagem a Vlademir Herzog, 1975 |
O mesmo silêncio que manteve durante a celebração, Dom Helder manteve na sacristia. Ao ser perguntado pelo jornalista Audálio Dantas por que não disse algumas palavras ao final do culto, respondeu, resumindo o grande momento que São Paulo e o País viviam: “Há momentos, meu filho, em que o silêncio diz tudo”. E, serenamente, concluiu: “A ditadura começou a cair hoje”.
No dia 07 agosto de 1999, estando em Recife para participar da Jornada Teológica promovida pelo Grupo Igreja Nova, Frei Betto foi visitar Dom Helder. Dom Paulo estava doente à época, padecendo de um câncer no olho, saúde fragilidade. Dom Helder, que parecia distante, de repente olha para Frei Betto e pergunta: e o meu sobrinho Paulo, como vai de saúde? 20 dias depois Dom Helder fazia a sua última viagem.
Em 27 de setembro de 1999 Dom Paulo veio ao Recife para celebrar, na Sé de Olinda, a missa de trigésimo dia da partida de seu querido “tio”, Dom Helder. A celebração aconteceu na Sé de Olinda.
Chegada de Dom Paulo à Sé de Olinda |
Celebraçao do trigésimo dia da partida de Dom Helder, na Sé de Olinda |
Após a celebração foi recebido por Lucinha Moreira, em sua residência, para tomar uma sopa, com alguns membros do Grupo Igreja Nova, do IDHeC, então Obras de Frei Francisco e os padres José Augusto, João Pubben e Edwaldo Gomes. A conversa não poderia ser em torno de outro tema se não Dom Helder.
Em entrevista concedida ao Jornal Igreja Nova, nesse mesmo dia, falando sobre Dom Helder ele disse que certa vez o papa Paulo VI perguntou o que ele achava de Dom Helder. E ele resumiu dizendo: “ele é um poeta e um místico”. E completou dizendo que não disse ao papa que Dom Helder era um santo porque se o papa concordasse Dom Helder já estaria canonizado. Mas, pessoalmente, já considerava Dom Helder um santo.
Dom Paulo e Dom Helder começaram a se aproximar mais em 1968, após a morte de um estudante no Rio de Janeiro. Ao ler o depoimento de Dom Paulo nos jornais Dom Helder disse a Dom Paulo que gostaria de conversar mais vezes com ele e se ele achava que seria possível os dois trabalharem juntos. Ao que Dom Paulo respondeu que seria uma enorme honra e que o considerava como um mestre. A partir de então os dois passaram a trabalhar juntos em defesa da vida.
Para Dom Paulo a recordação mais forte que tinha de Dom Helder era o começo da aproximação dos dois, em 1968, na ocasião em que foi morto um estudante no Rio e aconteceu uma grande marcha. Ao ler o depoimento de Dom Paulo, Dom Helder comentou que gostaria de conversar mais vezes com ele e se seria possível trabalharem juntos. Dom Paulo respondeu que seria uma enorme honra e que o considerava um grande mestre. A partir daí passaram a trabalhar juntos com o mesmo objetivo: serem instrumentos de Deus na construção de um mundo mais justo, mais humano, mais digno para todos os filhos e filhas de Deus.
Um pouco antes da celebração, na tarde do dia 27, Dom Paulo participou de uma homenagem póstuma que o governo do estado de Pernambuco fez a Dom Helder e que se realizou no terraço da igreja das Fronteiras, hoje Espaço Dom Lamartine.
Chegada á Igreja das Fronteiras |
Homenagem póstuma a Dom Helder |
Certa vez, ao passar três semanas na Suécia, em casa de um pastor luterano, ao ver que lá não havia miséria e nem ninguém rico demais, todo mundo tendo praticamente o mesmo padrão de vida, Dom Paulo perguntou ao pastor como eles haviam conseguido chegar àquela qualidade de vida. E o pastor respondeu a ele que foi com muita paciência. E ele lembrou dos jovens brasileiros que estavam perdendo a esperança no Brasil porque as coisas demoravam a acontecer e o brasileiro sempre tem muita pressa.
E o pastor continuo dizendo que há 150 anos a situação na Suécia era bem pior que a do Brasil. Mas que, aos poucos, o povo foi se unindo, fazendo pressão em cima do Congresso para que mudassem as leis e o povo sempre recomeçando, chegou a uma certa igualdade, que é indispensável para que haja democracia. E Dom Paulo finalizou dizendo que o que mudou a vida para melhor na Suécia foi a participação do povo.