UM OLHAR SOBRE A CIDADE: O QUE OS TURISTAS NÃO VEEM

 
Sexta-feira, 17.5.1974
 
Meus queridos amigos
 
Quando chegam turistas a nossa cidade, se quem os recebe tem recursos, poderá, querendo, mostrar aos visitantes, dez, quinze, vinte recantos inesquecíveis. Mas não há cidade que não tenha seus lados tristes. Vou lembrar alguns no programa de hoje, não para que eles sejam mostrados aos turistas ou sirvam para alimentar críticas negativas.
O importante é aprender a ter olhos de ver e disposição para não cruzar os braços.
Já viram em sua cidade, crianças e até adultos mexendo nas latas de lixo? Não pensem que é apenas em busca de papel para vender.
Por incrível que pareça, é, também, procurando comida para matar a fome.
Quem não encontra todos os dias, a noite, pessoas dormindo ao relento, sobretudo debaixo das pontes, nas calçadas de grandes edifícios com cobertura, nas portas de igrejas?
Não se habituem a pensar que são bêbados. Claro que um ou outro é. Mas a maior parte é de gente desabrigada, que não tem onde dormir…
Já encontraram pessoas cansadas de ir de fábrica em fábrica e de bater de porta em porta, a procura de emprego?
Já viram meninos abandonados, pendurados nas traseiras de ônibus, pedindo a quem passa, não raro se iniciando em bater carteiras?
Se fôssemos ver o ambiente em que nasceram e cresceram, não digo que aprovaríamos o que eles fazem. Mas entenderíamos e veríamos que há uma parte de responsabilidade nossa no abandono
em que vivem e nos maus hábitos a que leva este abandono…
Tem olhos para descobrir a pobreza envergonhada? São pessoas que foram ricas. Tiveram conforto e até luxo. Perderam tudo. Andam carregadas de dívidas e sem meios de pagá-las. Não tem o que comer. Não tem mais idade para trabalhar. E o pior é que ainda são obrigados — por um compreensível amor-próprio, pelo acanhamento de revelarem a todos a própria derrocada — a salvaguardar uma certa aparência de grandeza…
Tenham olhos de ver e ouvidos de ouvir. Se peço que descubram o lado triste e doloroso das cidades, nao é de modo algum para que se encham de traves e caiam em críticas fáceis contra o governo ou contra os ricos.
Interessa uma atitude positiva, construtiva. Sem dúvida, um dia, sem ódio, sem violência, mas com decisão e coragem, teremos que ir a raiz destes e de muitos males: estruturas injustas que levam os ricos a ficarem sempre mais ricos e os pobres a ficarem sempre mais pobres.
Mas, desde já, podemos e devemos saber que todos nós temos nossa parte de responsabilidade diante da situação de pobreza e de miséria em que se acham muitos de nossos irmãos e irmãs em Cristo.
Seria errado e injusto dizer que o governo falta em tudo. Claro que há uma parte grande de responsabilidade que cabe a ele, e devemos ter serenidade e coragem para emprestar voz aos sem voz, e a cobrar o que não é favor, mas obrigação do Poder Público.

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