Enviado por Geraldo Frenken
Promoção “GRUPO DOM HELDER”
Fortaleza, 21-22 de setembro de 2016
O “GRUPO DOM HELDER”, em formação desde janeiro de 2014, promoveu na cidade de Fortaleza o terceiro evento “HELDER CAMARA: MEMÓRIA VIVA”.
Nos dias 3 e 4 de setembro de 2014 realizamos o primeiro evento. Foram duas noites de reflexões com a presença dos historiadores Lucy Pina Neta, do Centro de Documentação Helder Camara no Recife, e Eduardo Hoornaert, de Salvador. Enquanto Lucy discursava acerca da temática “A contemporaneidade da espiritualidade de Dom Helder”, Eduardo abordou “A universalidade de Helder Camara que ultrapassa os limites da igreja e da religião”.
No ano passado, nos dias 10 e 11 de junho, um amigo de coração e em espírito de Dom Helder, Dom José Maria Pires, se fez presente em nosso meio no segundo evento. Ele, “de juventude acumulada”, como gosta de dizer, se encontra em sintonia com seu amigo desde o Concílio Vaticano II, e nele “admira mais a imprevisibilidade do profeta”. Na primeira noite discursou sobre “O Concílio Vaticano II e a Igreja dos Pobres” e na segunda abordou o tema “Expressões Eclesiais da Igreja dos pobres no Nordeste Brasileiro”.
Este terceiro evento realizou-se nos dias 21 e 22 de setembro deste ano. Encontramo-nos mais uma vez em torno deste cearense que, com gestos majestosos de seus braços abertos abraçava a todos, em especial os mais pobres desta nossa terra; este fortalezense, que com a força de suas palavras denunciava todas as formas de injustiça, em especial aquela que ele chamava de violência n.º 1, a miséria; este alencariano que, apontando com seus dedos para cima, expressava sua infinita confiança em Deus, que para ele significava “crer na aventura do amor, jogar nos homens, pular no escuro!”.
Estava conosco, na noite de 21 de setembro último, o historiador carioca Paulo César Gomes, autor do livro “Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira. A visão da espionagem” (Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record, 2014, 223 pp.). A sua palestra apresentava o referido tema, ainda vivo na memória, como também na existência de muitas pessoas que se encontram em nosso meio. Diante de um público de 150 pessoas, o palestrante traçou as linhas gerais da diversidade de atitudes, assumidas pela igreja católica na época dos anos de chumbo. Deixou claro que “a atuação política da Igreja Católica, no decorrer de sua existência, jamais se deu de maneira homogênea, sobretudo em se tratando de autoritarismo e repressão”. No entanto, Paulo César prestou atenção especial a homens como Dom Helder (Recife), Dom Paulo Evaristo (São Paulo) e Dom Aloísio (Fortaleza), “estigmatizados pelo regime militar”: a sua coragem de denunciar, de lutar pela liberdade com fundamento na dignidade humana, a sua convicção, baseada no Evangelho, de defender os direitos humanos: “Ressalta-se, no campo de toda ação pastoral e social, a necessidade de continuamente se organizar à luz da igualdade e dignidade de qualquer um e do caráter social da propriedade privada. O que também implica a denúncia, oportuna e importuna, com objetividade serena, de toda e qualquer violação desses direitos, a partir dos fatos concretos. Há um unidade inerente à preservação desses direitos e ao plano de Deus que quer salvar através de constante esforço, capaz de garantir a vida e a sobrevivência necessária a cada um e a todos, superando-se toda e qualquer carência.” (p. 68-69 do referido livro. Em: Informação s/n-DSI/MRE, de 19 de abril de 1978. Processo C., 100319/79. MC/P. Caixa 3409/08076).
Paulo César mostrou-se hábil e sério historiador, ao responder com cautela e cuidado questionamentos a ele dirigidos: baseava-se sempre em documentos ou arquivos, já pesquisados por ele.
Em seguida, Padre Almir Magalhães, reitor da Faculdade Católica de Fortaleza e membro do “GRUPO DOM HELDER”, fez breve colocação sobre: “Qual o envolvimento da Igreja Católica nos dias de hoje na vida da sociedade?” Mostrou a latente ambiguidade no meio da Igreja: há posicionamentos que se movem em direções opostas.
Na noite de 22 de setembro, duas pessoas de Fortaleza, Rosa da Fonseca e Mário Albuquerque, testemunharam sobre o que se passou no Ceará entre 1964-1985. Eles mesmos foram presos e torturados durante a ditadura. Embora para um público menor, prenderam a atenção de todos. No término, Dom Edmilson da Cruz, bispo emérito de Limoeiro do Norte, membro do “GRUPO DOM HELDER” e sempre presente onde há uma parcela do “Povo de Deus” reunido, deixou seu testemunho e sua mensagem de otimismo: não hesitarmos nunca de lutarmos pelos direitos humanos.
Ao deixarem o espaço do “Centro de Pastoral” da Arquidiocese de Fortaleza, todos receberam um pequeno fascículo com textos de e sobre Dom Helder.
O “GRUPO DOM HELDER” é composto por pessoas de diversos segmentos da sociedade fortalezense e tem como objetivo manter viva a memória de Dom Helder Camara e dar visibilidade a esta pessoa marcante, bem como destacar sua influência na sociedade e na igreja. Assim sendo, o grupo promove palestras, seminários e outras atividades do gênero.
Sentimo-nos felizes em podermos prestar este serviço à comunidade da nossa cidade, alertando a todos de sempre se lembrarem com carinho do “Dom da Paz”.
Fortaleza, 4 de outubro de 2016,
Pelo “GRUPO DOM HELDER”,
Geraldo Frencken
ANEXO
O “CADERNO DA MEMÓRIA E VERDADE” (Volume IV – Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria da Casa Civil, Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara, Recife: CEPE, 2015) relata, em vasta documentação, a atuação da ditadura militar brasileira contra a indicação de Dom Helder Camara ao Prêmio Nobel da Paz.
Lemos na página 11 do referido Caderno:
“Sabia-se nos anos 70, em plena ditadura, da campanha que o governo desencadeara e vinha mantendo para impedir a outorga do Prêmio Nobel da Paz ao Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Camara. Sabia-se que ele fora indicado à honraria ‘em reconhecimento ao seu legado para a cultura da paz e por seu combate incessante na defesa da dignidade humana e da Justiça’. Que a indicação de seu nome partira de eminentes personalidades e importantes instituições culturais e religiosas da França, Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda e outros países. […] Ele próprio referiu a existência de maquinações para desqualificá-lo. Em dado momento as agressões passaram a assumir formas mais violentas. Sua residência e local em que trabalhava foram metralhadas, com a conivência ou, no mínimo, com a omissão dos militares responsáveis pela segurança pública. E o trucidamento de seu amigo e colaborador padre Antônio Henrique foi urdido evidentemente para atingi-lo e intimidá-lo. […] O embaixador Vasco Mariz registrou o seguinte acontecimento: ‘Foram convocados os presidentes e diretores de todas as empresas escandinavas do Brasil, como a Volvo, a Scania Vabis, a Ericson, a Facvit e outros menores, e lhes foi solicitado que interviessem na Fundação Nobel para evitar a concessão do Prêmio Nobel a Dom Helder Camara. Todos lamentaram não poder intervir no caso, até que o oficial general que presidia a reunião deu um murro na mesa e anunciou: se os senhores não intervierem com firmeza e Dom Helder chegar a receber o prêmio Nobel da Paz, então as suas empresas no Brasil não poderão remeter um centavo de lucros para as respectivas matrizes. Naquela época do general Médici, o governo tinha meios de adotar tão grave atitude’.” Hoje somos testemunhos que Dom Helder não recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
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