por Geraldo Frencken
Os escritos sobre Dom Helder Camara sempre fazem referência à época dele no Rio de Janeiro, em Recife ou em lugares visitados nas inúmeras viagens realizadas ao redor do mundo. Dificilmente alguém se refere aos poucos anos que atuou aqui na capital cearense. Fala-se, às vezes com certo desprezo e em tom de crítica, sobre a sua participação na Ação Integralista Brasileira, como se isso constituísse um grande desmerecimento. É bom colocar a questão no contexto maior de sua atuação. Embora esteja consciente da necessidade de peritos no assunto aprofundarem mais a questão ora apresentada, gostaria de expor um retrato um pouco mais completo de Padre Helder em Fortaleza. [1]
Helder Pessoa Camara, nascido em 7 de fevereiro de 1909, 11.º descendente de João Eduardo Torres Câmara Filho e de Adelaide Rodrigues Pessoa, demonstrou, desde criança, o desejo de ser padre. Aos catorze anos, ingressou no Seminário da Prainha. Em 15 de agosto de 1931, com apenas 22 anos de idade, recebeu a ordem sacerdotal. Permaneceu em nossa cidade, como padre, somente até janeiro de 1936, quando foi transferido para o Rio de Janeiro.
Padre Helder nos dias de sua ordenação sacerdotal
Nos quatro anos e cinco meses de permanência em Fortaleza, Padre Helder desenvolveu, além dos trabalhos do ministério, atividades em setores diversos da vida pública, tanto na cidade, como no Estado do Ceará.
Em primeira instância, Padre Helder foi nomeado para a Paróquia de Nossa Senhora da Piedade no bairro de Joaquim Távora. Os trabalhos, porém, se estenderam muito além dos limites territoriais.
Logo no início das atividades, Padre Helder empenhou-se na organização do movimento “Juventude Operária Católica”. A JOC guardava caráter religioso, mesmo quando elaborava uma concepção de fé bem mais voltada para a realidade social do que para outras tendências no interior da Igreja. O movimento propunha-se a ensinar o jovem trabalhador a assumir uma vida completa e mais humana, a ser um corpo representativo que defendesse os direitos dos operários. Constituía-se em torno da proposta de o jovem operário tornar-se um apóstolo no próprio meio, construindo sua formação na ação e pela ação, fundamentadas na metodologia do “ver, julgar e agir”.
Com dois amigos fundou, em 1931, a “Legião Cearense do Trabalho”, para, em 1933, juntamente com lavadeiras e empregadas domésticas, instituir a “Sindicalização Operária Feminina Católica”, considerado na instituição seu ‘chefe popular’. O objetivo era de reunir as lavadeiras, engomadeiras, domésticas, cozinheiras, amas e copeiras. O movimento sofreu, desde o começo, ataques por parte da classe dominante, porque o ‘normal’ era a sindicalização de homens. Via-se o perigo de que a organização somente serviria para indispor as empregadas contra as patroas, podendo exigir tabelas de preços para os serviços e até fazer greve. Depois de um ano, já havia dez núcleos na periferia da cidade. Fundaram-se escolas “de ler, escrever e contar, promover o gosto pela arte”, tudo isso com orientação religiosa e nacionalista. A proposta era oferecer uma educação integral.
Graças ao empenho como educador – ele era exímio professor do Liceu do Ceará -, Padre Helder foi convidado, em 1935, pelo então governador do Ceará, Menezes Pimentel, para ocupar a função de Diretor da Instrução Pública do Estado, atualmente correspondente à função de Secretário da Educação. Não quis, inicialmente, aceitar o convite, mas o arcebispo de Fortaleza, Dom Manuel da Silva Gomes, lhe disse: “Ninguém está mais preparado do que você, pois é assistente eclesiástico da ‘Liga dos Professores’ que você mesmo criou. Tem dado cursos de Pedagogia e Psicologia, participou de congressos de educação. Você deve ser o diretor da Instrução Pública, e se seu bispo quer isso é porque é esta a vontade de Deus!”
Obedecendo à autoridade eclesiástica, como praticou até nos últimos dias de vida, aceitou prontamente. Na função, Padre Helder contribuiu de maneira decisiva para a reforma do método de ensino e para o melhor desenvolvimento da educação pública cearense. Promoveu o recenseamento escolar em todo o Estado, denunciou o descaso e a situação de penúria em que se encontrava a repartição que, segundo ele, não contava sequer com material escolar para ser distribuído às crianças pobres. A atuação como membro do governo passou a receber especial atenção da imprensa e dos meios intelectuais do Estado. Sua capacidade incomodava vários secretários do Governo que nada podiam fazer para obscurecer-lhe o trabalho e coibir-lhe a projeção politica. Ciúmes no meio politico e no clero fizeram que ficasse difícil sua permanência em nosso meio.
Todas as iniciativas de Padre Helder chamaram a atenção de Plinio Salgado, fundador e dirigente da Ação Integralista Brasileira, que o chamou para se filiar à A.I.B., convite que foi aceito após autorização recebida do Arcebispo Dom Manuel, seu superior maior na Arquidiocese. Padre Helder exerceu atividades de secretário de estudos da A.I.B. no Ceará.
Padre Helder ainda foi assistente da “União dos Moços Católicos”, movimento que promovia conferências anticomunistas em sindicatos e associações beneficentes. A Igreja incrementou a atuação dentro das fábricas, com as práticas de catequese e de primeira comunhão dos operários. Os sermões nas paróquias, tendo como público-alvo os trabalhadores, falavam na época somente de resignação e da pobreza como fonte de virtudes.
Dom Helder Camara, por ser fortalezense e cearense de destaque, merece maior atenção por parte das autoridades eclesiásticas-arquidiocesanas desta cidade, como também dos poderes públicos estadual e municipal, pois, como é sabido, faz bem cuidar do passado, especialmente quando isso enriquece o presente e se prepara o futuro das novas gerações!
Fortaleza, janeiro de 2016,
Geraldo Frencken,
Membro do “Grupo Dom Helder”
[1]Fonte, entre outras, em: PILETTI, Nelson e PRAXEDES, Walter. Dom Helder Camara, o Profeta da Paz. São Paulo: Editora Contexto, 2008.