Após-Concílio
Recife, 26/27.1.68
352ª Circular
Vigília em louvor de São João Crisóstomo
A “Folha de S. Paulo”, em Caderno especial sobre o Nordeste, publicará o seguinte artigo em que, salvo engano, consegui dizer o que há muito desejava dizer: Influência da Igreja no desenvolvimento do Nordeste Coragem de começar do começo.
Só teremos força moral para falar em “influencia da Igreja no desenvolvimento do Nordeste”, se tivermos a lealdade de reconhecer nossa responsabilidade,ou melhor, nossa corresponsabilidade no subdesenvolvimento da América Latina.
Não nos é possível desconhecer que, no Continente, somos e, sobretudo, fomos a força espiritual e moral mais atuante e de maior ressonância.
Ora, se a situação do Continente é de subdesenvolvimento, não temos como fugir a nossa quota de responsabilidade na posição do nosso Povo dentro da Humanidade.
Dizer que não nos cabe responsabilidade porque nossa missão não é o tempo, mas a eternidade; não é a Terra, mas, o céu, é indicar a raiz do equívoco que nos impediu de contribuir, decisivamente, para arrancar da miséria a nossa Gente.
Tenhamos a coragem de reconhecer que, ao acusar de alienação o Cristianismo, Karl Marx punha, com segurança, a mão em ferida real, não devida a essência mesma da mensagem de Cristo, mas a maneira falha com
que a interpretávamos. Há um livro que os cristaos do Brasil ganharíamos em meditar: A escravidão, o Clero e o abolicionismo por [Luis] Anselmo da
Fonseca (Bahia, Imprensa Econômica, 1887). Salvo engano, o que aí se lê é
tristemente extensível a América Latina. Mais: salvo engano, seria possível
326 Dom Helder escrever uma confissão bastante dura sobre “A Igreja e o subdesenvolvimento da América Latina”.
Como consentimos que, após séculos de escravidão africana, [fl. 2] se estabelecesse, nos nossos vários Países, uma igualmente lamentável escravidão
nacional? Como aceitamos o colonialismo interno, entendida a expressão como riqueza de poucos, pouquíssimos, baseada sobre a miséria de milhões? Como deixamos que os herdeiros dos Senhores de escravos continuassem na impressão de generosos e cristãos por ajudarem, com seus donativos, a erguer Igrejas ou a criar e manter obras sociais, sem perceber, sequer, que, dentro de suas esmolas, havia e há suor e sangue de seus trabalhadores?
Como permitimos que as Massas latino-americanas se confirmassem na miséria e no consequente desânimo interior, apatia e fatalismo?
Como nos iludimos, a nós mesmos, pairando nas obras de misericórdia, sem perceber que falhávamos a mais urgente de todas elas: tentar trazer, a um nível humano, filhos de Deus aviltados pela miséria e jogados a uma condiçãoinfra-humana?
Teologia do desenvolvimento
Para o cristão, entender que Deus quis o homem a sua imagem e semelhança,
e deu-lhe como missão dominar a natureza e completar a criação, é ver-se impelido, pelo Criador e Pai, para um esforço desenvolvimentista.
Entender e amar a Criação, sabendo que, dentro da evolução criadora, não há, ao lado do princípio do bem, um princípio do mal; entender e amar a Criação inteira (inclusive a matéria, o corpo, a carne, a mulher) é livrar-se
de equívocos inibidores e perigosos. Não se trata de desconhecer o pecado.
Mas trata-se de evitar a atitude de quem raciocina como se a natureza mesma ficasse total e irremediavelmente atingida, esquecendo a Graça, a Redenção.
O grande Mestre de Encarnação é o Filho de Deus que, sem esquecer sua origem divina, sabendo-se igual ao Pai e ao espírito Santo, se fez carne e habitou entre nós, assumindo tudo o que é humano, exceto e pecado. [fl. 3]
Mesmo assim, se Ele mesmo não pecou, carregou nos ombros todos os pecados dos homens.
Os teólogos começam a aprofundar a teologia das realidades terrestres.
Trata-se de descobrir, na mensagem crista, verdades capazes de ajudar o homem a cumprir sua missão de caminhar para a eternidade, vencendo o tempo, sendo agente e não objeto da História; verdades que ajudem o homem a ser mais humano, tanto pela superação do egoísmo que o deshumaniza, como pela superaçãoda miséria que o subhumaniza.
Bençãos saudosas
do Dom