No Dia da Consciência Negra postamos a mensagem dirigida por +Helder Camara, então arcebispo de Olinda e Recife (Brasil), ao lhe ser conferido, pelo Conselho Católico Inter-Racial (Catholic Inter-racial Council), o prêmio para os que combatem os Racismos, em 18.10.1975, em Devenport, EUA.
PRÊMIO QUE ME É GRATÍSSIMO
A bondade de deus e a generosidade dos Amigos me têm proporcionado Prêmios que, sinceramente, jamais pensei receber e que, sem dúvida valem como incentivos para todos os que trabalhamos pela justiça e pelo amor, como caminhos para a paz. É claro que os venho recebendo em nome de Companheiros anônimos, de Heróis e Heroínas, cujo nome só Deus e os íntimos conhecem.
Quando, em Oslo, e, a seguir, em Franckfurt [sic], me foi entregue o Prêmio Popular da Paz, quando os Negros dos EUA me horaram com o Prêmio Martinho [sic] Lutero King Jr.; quando a Federação Norte-Americana das Ordens Terceiras de São Francisco de Assis me atribuiu um Prêmio de Paz – para citar alguns entre outros – pensei e, tantos e tantos batalhadores da paz, que jamais falaram pelo Rádio ou pela TV, e jamais tiveram um retrato publicado em Jornais.
O Prêmio que me é conferido, hoje, pelo Conselho Católico Inter-Racial, para os que combatem os Racismos, comove-me profundamente e eu o colocarei, sempre entre os maiores estímulos para todos os que lutamos por um Mundo sem Oprimidos, nem Opressores.
Minha maneira de agradecer-vos consistirá em dizer-vos como vejo o Racismo, cancro que precisamos livrar, quanto antes, o Mundo!
Três considerações, entre muitas outras.
Racismo levado a extremos, que arrepiam o mundo
Uma das manifestações mais constante, ao longo dos tempos, é a perseguição contra Judeus. É terrível para nós Cristãos reconhecer que a maneira de atribuir a morte de Cristo aos Judeus – esquecidos de que todos temos parte na morte do Salvador – alimentou, consciente ou inconscientemente, no sentido de muitos, os torturadores e assassinos do Mestre. [fl.02]
O Papa João XXIII, em pleno Concílio Ecumênico Vaticano II, julgou de seu dever pedir perdão aos judeus, em nome da Igreja, só não pelas tristíssimas perseguições à Raça Judia conduzidas pela Inquisição, mas porque o santo Santo Padre reconhecia que o nosso preconceito está na raiz de todas as perseguições contra os Judeus, ao longo dos milênios… Esquecemos inclusive que, ao encarnar, o Filho de Deus se fez Judeu. E que é Judia Nossa Senhora, e que adoramos o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, e que rezamos os Salmos, em boa parte, atribuídos ao Rei Davi…
Deus sabe tirar o bem do próprio mal. Quando Hitler, com as suas teorias sobre os povos arianos, pretendeu exaltar a alegada superioridade das raças germânicas para justificar a descriminação racial; quando Hitler fez eliminar judeus aos milhões; caçando-os, implacavelmente, por toda parte, fuzilando-os; enterrando-os vivos depois de arrebatar-lhes tudo, até a roupa que vestiam quando Hitler fazia farejar cheiro de judeu, desconfiar de nariz de judeu, descobrir gotas de sangue judaico em vaias de branco, o absurdo, o extremo, a aberração, fizeram o Mundo arrepiar de horror. Hitler, sem querer, ajudou a abrir os olhos da Humanidade contra a insensatez de todos os Racismos…
Racismo particularmente inconcebível neste século e neste País
Racismo, em pleno século XX e nos EUA, é tão incompreensível e escandaloso, que o desprezo e o ódio contra Negros, Latino-Americanos e Amarelos, neste século e neste País, estão abrindo os olhos de muitos para a ilogicidade [sic] dos Racismos…
Este grande, este enorme, este imenso País não foi fundado por um Pequeno Grupo que abandonou Pátria, lares, comodidades, amigos para ter o direito de ser livre!?… Como criar, para outras Criaturas humanas, a condição irrespirável que levou os Fundadores a buscar uma Terra da liberdade!?…
Quando presta juramento à bandeira, símbolo da Pátria, o Norte Americano não jura que, nesta terra, haverá “liberdade e justiça para todos”?
A Constituição deste País não ajudou a inspirar a Revolução Francesa, com a sua trilogia sagrada de Liberdade, Igualdade e Fraternidade!?…
Este não é o País em que a ciência e a técnica multiplicam diariamente, prodígios? Os Psicólogos e Educadores deste País não são lidos no Mundo inteiro? Não vêm Alunos, dos mais distantes pontos da Terra, estudar, inclusive democracia, nas Escolas deste grande País!?…
Não vivemos no após 2ª Guerra Mundial? Não foi aqui que foram proclamados os 4 direitos fundamentais do Homem, desdobrados, depois, na Declaração Universal dos Direitos do Homem!?…
Convém repetir: Racismo, neste século e neste País, é surpresa tão grande, é surpresa que choca tanto, que não só dentro do vosso País, mas no Mundo todo, o Anti-Racismo marcha a passos largos… [fl.03]
Aliás, diga-se, a bem da verdade, que muita gente que se escandaliza com o Racismo nos EUA, no íntimo, é racista…
Quando Roberto Kennedy visitou o Brasil e falou na Pontifícia Universidade Católica, do Rio de Janeiro, um Jovem, expressando-se em excelente inglês, o interrompeu, dizendo: “Volte para o seu País. Vocês, Racistas, não têm força moral para ensinar democracia a ninguém”.
Bob Kennedy não perdeu a calma. Respondeu, serenamente: “Meu Jovem Amigo: você tem razão. O Racismo é uma vergonha no meu País. Apenas lhe asseguro se multiplicam – até no próprio Governo – os que se decidem a combater o racismo”… Nesta altura Bob Kennedy estabeleceu um suspense: parou de falar e começou a olhar, ostensivamente, em volta…Todos se interrogavam o que estaria ele procurando… Depois de alguns instantes, começou, com amável malícia: Desculpem. Eu estava procurando Negros e não encontro nenhum nem na Diretoria, nem entre os Professores, nem mesmo entre os Alunos… Talvez exista algum, quem sabe, entre os Empregados…”
(Palmas calorosas provaram que ele tinha razão…)
Racismo de dimensões mundiais
Uma das notas dos Racismos é que, não raro, ele se torna inconsciente.
Quando pedi aos meus Irmãos Negros dos Estados Unidos que adotassem como própria a causa do Terceiro Mundo, é porque me parece evidente que, se há Continentes oprimidos por injustiças que reduzem seus Povos a uma condição infra-humana, mesmo inconsciente, há, da parte dos Opressores, um problema racial. Se a Europa e a América do Norte são ricas e sempre mais ricas, enquanto mais de 2/3 da Humanidade se torna sempre mais pobre, a explicação última é um confronto entre a Raça branca, Raça tida como Superior em inteligência, em decisão de querer e em bondade humana, e os Povos de cor [sic]: a África, negra; a Ásia, amarela; a América Latina morena ou mulata…
Erro profundo e total: o que há, dentro dos Países pobres e nas áreas pobres dos Países ricos, como há entre Países ricos e Países pobres são terríveis problemas de injustiças…
Se Hitler nos enviasse os mais puros arianos e eles se vissem na situação sub-humana em que vegetam mais de 2/3 dos habitantes dos nossos Países e do Mundo, queria ver se esses Super-Homens iam ter mais resistência, mais fibra, mais inteligência e mais bondade do que a nossa Gente sofrida!
A luz, no caso, está vindo daqui.
3.1 Mestre que não pode ser esquecido
Estados Unidos, País racista!?… O que muitos não perceberam ainda é que, em questão de racismo, a luz, em grande parte, está vindo daqui.
Vossos Negros são exemplo e inspiração para todos nós. Que imensa figura humana, que modelo, que símbolo, o Pastor Martinho [Sic] Lutero King Jr.!… Como foi entendido e seguido por seus Irmãos Negros! Ele descobriu o caminho certo, os métodos exatos! Se alguns Grupos Negros, em certos momentos desesperaram-se, outros, ainda hoje, permanecem distantes – acabaram ou acabarão descobrindo que todos precisamos entrar (sic) na escola do Mestre King!
3.2 Lição não menor e não menos bela
Além da lição de anti-racismo que nos vem dos vossos Negros temos muito que aprender dos nossos Irmãos de fala espanhola, particularmente Portoriquenhos [sic] e Chicanos!
Eles conseguiram atrair Norte-Americanos e Norte-Americanas que, de tal modo se fizeram Irmãos, que quando se lida com eles fica difícil dizer onde acaba o Americano e onde começa o Chicano ou onde acaba o Chicano e começa o Americano.
4. Apelo aos Cristãos e homens de boa vontade
Se todos os que acreditamos em um Criador e Pai tirássemos todas as consequências desta verdade fundamental: todos, absolutamente todos os Homens, sem exclusão de ninguém, somos filhos de Deus, – teríamos que nos tratar como Irmãos…
Se os Cristãos, de todas as denominações, tivéssemos sempre presente não só que todos os Homens somos Irmãos, porque todos, absolutamente todos, temos o mesmo Criador e Pai; mas tivéssemos presente, também, que o Filho de deus que se fez nosso Irmão, o Cristo, derramou Seu sangue por todos os Homens, absolutamente todos, sem exclusão de ninguém, nós que carregamos a responsabilidade, do nome de Cristo e devemos ser presença viva d’Ele no meio dos Homens, ao menos nós nos trataríamos como Irmãos e Irmãos de sangue!
Católicos dos USA (sic.), meus Irmãos: estais dando ao Mundo o exemplo esplêndido de contribuir para a celebração do 2º Centenário da Independência do vosso País, convidando o País inteiro a verificar se há mesmo “liberdade e justiça para todos”. Eu vos digo:
– se o resultado de todo o vosso esforço for conseguir que todo Católico deste País – Leigo, Religiosa, Padre ou Bispo seja exemplo vivo de superação total de Racismo, uma batalha decisiva terá sido ganha na luta pacífica contra a discriminação racial!