Por ASSUERO GOMES
Encontro, numa tarde de janeiro, no seu apartamento em Botafogo, sozinha, mergulhada em alegres recordações, a Nair, irmã quase nonagenária do nosso querido Dom. Ela nos espera para a visita. Na sala o retrato dele pintado a óleo. Um retrato que pode ter salvo a vida dela. Eu conto depois.
Em cada canto uma recordação. Fala-nos do seu amor pela ópera, pelo teatro, pelo ballet, pelos cristais. De suas amizades sinceras. Do irmão querido. Entre lágrimas e palavras. Cada \”biscuit\” é uma recordação.
Serve-nos um gostoso sorvete de milho, ali mesmo na cozinha. Puxo a conversa sobre o Dom.
– Uma das coisas que eu mais gravei, foi a alegria dele, quando chegou aqui, alegre, gesticulando, dizendo \” maninha, hoje todas as religiões se encontraram, se deram as mãos…\” \”para mim a pior briga é na Igreja, a segunda é na família, ah ! Eu acho horrível…\”
Fala-nos de sua admiração pela França, e que se o Dom soubesse haveria de ter providenciado para ela ir….questiona-se sobre a Internet…
E a irmã do Dom, Nair, continua contando suas histórias, da família, dos passeios, mostra-nos o quarto do Dom, absolutamente conservado como ele deixou, desde que era o \”padrezinho\” lá no Rio.
Conta-nos que como ela gosta de lustres, colocou um no quarto dele e ficou preocupada se ele acharia muito \”luxuoso\”. Mas D. Helder disse que ela não se preocupasse, e assim ficou. O contraste é grande com o restante do pequeno quarto, mobiliado com uma cama \”patente\”, uma cadeira, um birô, e uma estante com uma grande coleção de livros. Tudo no mesmo lugar como quando ele esteve ali pela última vez e disse para a irmã \”agora só lá mesmo no céu\”…o crucifixo sempre na cabeceira da cama, os objetos de celebração da missa, tudo carinhosamente guardado, como se o tempo esperasse um pouco.
Na sala do apartamento em Botafogo, Nair, a maninha do Dom, nos conta como foi o assalto que sofreu e como o quadro do Dom de certa forma a ajudou.
O apartamento foi invadido por um casal de assaltantes. Enquanto o homem colocava o revólver na cabeça dela, a mulher roubava. A vítima, de quase noventa anos, pede ao assaltante para que não a moleste, podendo levar o que quisesse, ele, porém, não mostrava sinais de compaixão. A um certo momento ela apela e diz: \”por favor não me machuque, olhe, eu tenho um irmão importante ( o Dom já havia falecido há algum tempo ) e você pode se arrepender…\” de repente o assaltante levanta os olhos e vê o retrato do Dom na parede e compreende então. Coloca a mão na testa e diz: \”hi ! Dele até que eu gosto\”….Depois disso, apesar de levar o que tinha roubado, parou e foi embora sem molestar a vítima…