A partir dali, de asas camufladas, teu corpo franzino seguiu, escondendo o anjo que guardavas dentro de ti (era José, não era?) e os passos necessários foram sendo dados, nos estudos, nas reflexões, nos poemas que escrevias envergonhado, na sabedoria que demonstravas, mesmo sendo tão jovem.
A partir dali, a tua liderança foi ficando evidente e as lutas para que os direitos de teus companheiros de vocação fossem respeitados, tornaram-se constantes… Eras, desde então, o profeta que se abria para o mundo, ainda que o fosse nos limites do teu Seminário da Prainha, onde te fizeste padre, aos 22 anos e meio.
Quando o Ceará te recebeu como sacerdote, naquele distante 1931, não sabia que estava entre eles um padre iluminado, que haveria de marcar o seu tempo, a sua terra, a sua geração… Que se eternizaria pela vida afora e depois dela, permanecendo entre nós por tudo o que construiu, nessa estrada de amor e dedicação ao Pai.
Quem sabe se o teu Ceará nem se deu conta do quanto valias??? Quem sabe se, com a tua ida para o Rio de Janeiro, não carregaste contigo o teu profetismo, sendo até pouco lembrado pelos teus próprio conterrâneos? Mas é claro que milhares de cearenses amam e veneram tua memória, compensando a esquecida falta de lembrança de uns poucos, que nem chegaram a compreender-te!
Quando foi, Helder, que decidiste envolver, num abraço de ajuda e salvação, os excluídos que encontraste na \”cidade maravilhosa\”? Quando te sentiste inclinado a buscar gabinetes oficiais em busca de ajuda solidária, muito antes que outros a tivessem imaginado? Que inspiração sublime te levou a criar a Cruzada São Sebastião? A imaginar um banco para pobres, como o Banco da Providência? A batalhar para que se fizesse o aterro do Flamengo e, no espaço criado, acontecesse o Congresso Eucarístico, absolutamente vitorioso?
Em que vigília da madrugada te veio a inspiração para que os Bispos do Brasil fossem unidos através de uma instituição – a CNBB – crescendo e se fortalecendo pelas trocas entre espaços regionais de um país continental?
Que força impulsionou tua fala, no histórico momento daquele 12 de abril de 1964, recém-chegado à Arquidiocese de Olinda e Recife, para abrir o coração em meio à praça e disponibilizar-se para todos – absolutamente para todos – desassombradamente, instigando a muitos e encantando a outros, com a partilha que propunhas, entre irmãos que te acolhiam fascinados, mesmo na turbulência política que se fizera?
Em que tempo decidiste o fortalecimento da tua fé e dos teus sonhos pela oração e pela vigília, fazendo disso um costume rigidamente seguido, inspirador de poemas e meditações profundíssimas, tão sérias e tão tocantes, que ouvindo-te hoje dizer qualquer dos textos feitos e gravados, fica-nos a impressão que foi ontem que as escrevestes?
Deixa-me divagar, meu profeta pequenino, nesse centenário que se aproxima, perguntando a ti, de coração contrito, as razões do meu amor tão grande, da minha saudade tão visível, do meu engajamento absoluto nas causas pelas quais lutaste tanto… Deixa-me expressar esse carinho, essa vontade de ver-te elevado à honra do altar, como um santo – onde já deverias estar, por merecimento – ouvindo e socorrendo teu povo sofrido, órfão do seu \”bom pastor\” , intermediador de causas possíveis e impossíveis junto ao Pai…
Deixa-me sonhar – como sonhaste tanto – que a PAZ é algo que se pode alcançar: basta querê-la e merecê-la!