O que me toca é ver o Senhor se mostrar tão sensibilizado com as necessidades do povo. Ele tem olhos para ver que ele está com fome e ouvidos para ouvir o seu clamor. Não temos, assim, o direito de dizer depois dele que a nós nos incumbe anunciar sua palavra, mas que da alimentação não nos precisamos ocupar: nossa alimentação é Celestial!
Não! Não somos apenas pastores de almas, somos pastores de homens, almas e corpos. Com tudo que isso implica. Estou convencido de que ainda hoje, e sempre, o Senhor exige de nós a disposição de irmos mais longe.
Se há pessoas com fome, temos que nos ocupar de problema da fome! Não será esse o momento de discutir teorias abstratas, de argumentar se se trata ou não de paternalismo cuidar dessa tragédia universal. Temos obrigações de fazer tudo o que é tragédia universal. Temos obrigações de fazer tudo o que é possível, e mesmo um pouco do impossível, particularmente neste século em que vivemos, quando se revela diante de nós o escândalo de dois terços da humanidade viver famintos, às portas da absoluta miséria.
Essa fome e essa miséria sendo consequência das injustiças e das estruturas da Injustiça, o Senhor exige de nós que as denunciemos com firmeza. Isso faz parte da pregação da Palavra. A denúncia da injustiça é um capítulo absolutamente necessário do anúncio da Sagrada Palavra! Não se trata de dever para alguns, pois é um dever humano para todos os homens, um dever cristão para todos os cristãos, um dever absoluto para todos os pastores!
Há pessoas que lendo a parábola da multiplicação dos pães, pensam ver somente o Senhor anunciando tão somente a Eucaristia, e elas despertam para a Eucaristia. Mas, Senhor, parece-me evidente que a Eucaristia deve abrir os olhos para a miséria e a fome de nossos irmãos!
É isso o que há de belo nos Congressos Eucarísticos Internacionais. De início visam? Sobretudo à glorificação do senhor, representado pelo pão e pelo vinho; com o correr do tempo, compreendeu-se que o Cristo – pão da vida e pão repartido – exigia que nossa atenção se voltasse para as multidões que tem fome de amizade, de amor, de justiça, de paz e de pão…
Nossos olhos precisam abrir-se. Devemos encontrar logo o meio não apenas de retribuir o pão, mas de multiplicá-lo. O cristo nos diz, nestes dias, que não basta retribui-los aos que não o têm, pois o importante é ajudar na construção de um mundo mais justo, onde não haja mais um pequeno número dos que possuem muito ao lado das multidões incalculáveis que nada possuem.
(Dom Helder Camara. O Evangelho com Dom Helder. p.110-111)