\”Aproximando-se, alguns saduceus – que negam existir ressurreição – perguntaram-lhe: ‘Mestre, Moisés nos deixou por escrito: Se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, que se case com a viúva e suscite descendência ao falecido. Ora, havia sete irmãos. O primeiro tomou mulher e morreu sem filhos; o segundo, e depois o terceiro também desposaram a viúva. Todos os sete casaram-se com ela e morreram sem deixar filhos. Por fim, morreu também a mulher. Essa mulher, na ressurreição, de qual deles vai tornar-se esposa, já que todos a tiveram por mulher?’
Jesus lhes respondeu: ‘Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento, mas os que forem julgados dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos, esses não se casam nem se dão em casamento, pois não mais poderão morrer, sendo iguais aos anjos. São filhos de Deus e, também, filhos da ressurreição’” (Lucas 20, 27-38).
Essa passagem me leva a falar da impressão que me causam alguns fraternais amigos meus ao manifestarem suas terríveis dúvidas sobre a existência de outra vida. Para eles, tudo termina com a morte.
Não gosto de discutir isso, e nem sei como fazê-lo. O que sei é que o homem tem fomes e sedes que jamais serão atendidas durante esta vida! Fome da verdade, da beleza, da bondade, do infinito, da eternidade… E estou convencido de que somos muito mais que simples vermes! Quando me vejo a beira-mar e contemplo as vagas que se elevam, tombam e depois se perdem na imensidão, sinto, sei que também somos muito mais do que simples ondas. Não tenho palavras adequadas para exprimir tudo o que sinto, mas me lembro dos meus tempos de estudante de filosofia, quando me falavam das cinco maneiras de provar a existência de Deus… Eu não entendia o porquê daquilo: haveria mesmo alguma necessidade de demonstrar a existência de Deus? Parece-me hoje, e sempre me pareceu tão evidente a presença do Senhor! Parece-me evidente, da mesma forma, que somos feitos para a eternidade!
Muitos se perguntam: mas como será possível a ressurreição? Como se dará: algum anjo virá soar sua trombeta nos cemitérios?… Digo por mim que isso nunca me criou qualquer problema… Reflito: Ora, este corpo que temos, que vemos e sentimos não é o mesmo que tivemos em nossos berços, nem aquele que nossos colegas de escola conheceram, ou que foi à universidade! Quantas vezes ele já se modificou, quantas ainda irá modificar-se? No entanto, dentro dele, sempre fomos nós mesmos! Há dentro de cada um de nós a unidade de um todo absolutamente pessoal.
E vou mais longe: Tomemos esta fruta. Cortemo-la ao meio. Eu como a metade, e ela se integra em mim; você come a outra, e ela se integra em seu corpo. A mesma fruta, dois corpos…
Admito que não se trata de argumentação irrespondível, mas é a minha maneira de dizer, com as palavras que me ocorrem, da certeza de que temos todos, dentro de nós, uma centelha de vida. Quando a morte nos vem buscar, a centelha sempre consegue escapar-lhe. E, no dia em que o Senhor quiser, será essa centelha, precisamente, que retomará forma, que criará corpo, dum modo que nem sequer podemos imaginar, assim como o recém-nascido não poderá imaginar seu corpo aos vinte anos! Mas, nesse momento, saberemos reconhecer-nos perfeitamente! A eternidade seria inaceitável, seria inconcebível, se, tendo-nos conhecido, amado e respeitado nesta terra, nós não os pudéssemos conhecer, amar e respeitar em outra morada, o céu infinito!
(Do livro: O Evangelho com Dom Helder)