\”Ao desembarcar, viu uma multidão e apiedou-se dela, pois os que a compunham estavam como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas. Sendo a hora já muito avançada, vieram os discípulos a Jesus e lhe disseram: ‘O lugar é deserto; despede-os para que possam ir aos campos e povoados vizinhos e comprem para si o que comer’. Jesus lhes respondeu: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’\”(Marcos 6, 34 – 37).
O que me toca é ver o Senhor se mostrar tão sensibilizado com as necessidades do povo. Ele tem olhos para ver que ele está com fome e ouvidos para ouvir o seu clamor. Não temos, assim, o direito de dizer depois dele que a nós incube anunciar sua Palavra, mas que da alimentação não nos precisamos ocupar: nossa alimentação é celestial!
Não! Não somos apenas pastores de almas, somos pastores de homens, almas e corpos. Com tudo o que isso implica. Estou convencido de que ainda hoje, e sempre, o Senhor exige de nós a disposição de irmos mais longe.
Se há pessoas com fome, temos que nos ocupar de problema da fome! Não será esse o momento de discutir teorias abstratas, de argumentar se se trata ou não de paternalismo cuidar dessa tragédia universal. Temos obrigações de fazer tudo o que é possível, e mesmo um pouco o impossível, particularmente neste século em que vivemos, quando se revela diante de todos nós o escândalo de dois terços da humanidade viverem famintos, às portas da mais absoluta miséria.
Essa fome e essa miséria sendo consequência das injustiças e das estruturas da injustiça, o Senhor exige de nós que as denunciemos com firmeza. Isso faz parte da propagação da Palavra. A denúncia da injustiça é um capítulo absolutamente necessário do anúncio da Sagrada Palavra! Não se trata de dever para alguns, pois é um dever humano para todos os homens, um dever cristão para todos os cristãos, um dever absoluto para todos os pastores!
Há pessoas que, lendo a parábola da multiplicação dos pães, pensam ver o Senhor anunciando tão somente a Eucaristia, e elas despertam para a Eucaristia. Mas, Senhor, parece-me evidente que a Eucaristia deve abrir-nos os olhos para a miséria e a fome de nossos irmãos!
É isso o que há de belo nos congressos eucarísticos internacionais. De início, visavam sobretudo à glorificação do Senhor, representado pelo pão e pelo vinho; com o correr do tempo, compreendeu-se que o Cristo – pão da vida e pão repartido – exigia que nossa atenção se voltasse para as multidões que têm fome de amizade, de amor, de justiça, de paz e de pão…
Nossos olhos precisam abrir-se. Devemos encontrar logo o meio não apenas de distribuir o pão, mas de multiplicá-lo. O Cristo nos diz, nestes dias, que não basta distribui-lo aos que não o têm, pois o importante é ajudar na construção de um mundo mais justo, onde não haja mais um pequeno número dos que possuem muito ao lado das multidões incalculáveis dos que nada possuem.
(Do livro “O Evangelho com Dom Helder”)