Quando assistires
à retirada dos andaimes contempla
– é claro – o edifício que surge.
Mas pede pelos andaimes,
pois é duro servir de suporte à construção,
ser necessário à obra
e na hora da festa ser retirado como entulho.
Não é o que acontece todos os dias? Ninguém constrói um prédio sem andaimes. E quanto maior é o edifício, mais andaimes. Vem a festa da cumeeira. Mas quando o prédio está acabado, os andaimes sobram. Ninguém pensa mais neles; são retirados como entulho.
Já várias vezes, usei a palavra sobrar. Já pensaram como é triste, como é duro sobrar? É um dos verbos mais difíceis de conjugar, é uma das realidades mais tristes de viver…
Aquela senhora era moça, forte, bonita, cheia de vida. Era o centro da casa. Cuidou dos filhos. Criou meninos e meninas que viraram moças e rapazes, e foram se empregando, e foram casando, e foram partindo. Hoje, a dona da casa já idosa, cansada, doente, está sobrando. Os filhos nem se lembram da trabalheira terrível, dos sacrifícios que ela teve com eles.
Aquele senhor era o chefe da família. Vendia saúde. Forte, disposto, trabalhador, sustentava à casa inteira e ainda acudia a velha mãe e uns parentes pobres da esposa. Teve um derrame. Está meio entrevado. Recebe uma mixaria do Instituto. Anda nervoso. Dá trabalho. Ninguém se lembra mais que ele foi como os andaimes, sem os quais a casa não se faz, o edifício não sobe. Está vivendo a hora de os andaimes serem retirados como entulhos. O edifício não precisa deles.
Deixo aqui dois apelos:
– Quem tiver em casa gente sobrando, gente que foi gente, hoje é sombra do que foi, e só dá trabalho e despesa e preocupação;
– Quem tiver gente sobrando em casa, faça tudo para ter paciência, ser agradecido, não humilhar… Lembre-se de que seu dia chegará. O tempo passa mais rápido do que a gente pensa. Não humilhe e não deixe que humilhem ninguém.
E meu apelo a quem pensar que está sobrando: não deixe esse travo entrar na sua vida. Não se encha de amargura. Esqueça o verbo sobrar.
Um dia lhe provarei como da sua sombra e da sua humilhação, você pode ajudar o mundo inteiro…
(Do livro \”Um Olhar sobre a Cidade\”)